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Resenhas sobre "Depende dos sonhos"


Luzia está cozinhando. Tão compenetrada no doce-de-ovos que não pode errar. Senão fica com gosto de cruz-credo e isso ela não quer. Do fogão, avista o pé de jabuticaba, carregadinho de frutinhas maduras. Fica pensando em Talico: será que vendo o pé de jabuticaba madura, ele vai notar que ela também já está prontinha para namorar? Também ela já madurinha para o amor? E passa a viajar – passado, presente e futuro vindo na cabeça – sonhando na beira do fogão. Assim começa a história de Depende dos Sonhos, o mais novo livro da escritora Stela Maris Rezende, que será lançado hoje, a partir das 17h, no estande da Livrim, na Feira do Livro Infantil do Parkshopping. Este é o décimo sexto livro de uma autora mineira premiadíssima, que escolheu Brasília para morar. E falar para um público atualmente esquecido por todos os meios de comunicação: os infanto-juvenis. A décima sexta obra de uma produção que é mineira por excelência, e literatura no sentido mais puro da palavra, por opção. Nada precisa acontecer de fato na ação contada por Stela: sua brincadeira com as palavras vale tudo. Stela Maris tem por hábito reescrever pelo menos 10 vezes cada texto. Em cada um, seja conto, novela, surgem palavras arcaicas ou típicas do interior de Minas, assim como também seus personagens. Eles assuntam e dão fé, pelejam, atrás de uma coisa perrengue, que havera de ser um embondo. Parece coisa estúrdia. Suas palavras, sonoras e macias, são quase como a reinvenção do falar mineiro do interior. Não com caráter documental ou folclorizante, apenas pelo prazer de brincar com a linguagem, elas surgem como vindas do passado, de uma época em que ecologia ainda nem existia e podia parecer brincadeiraa dizer a um caipira que era preciso ter cuidado com as plantas... Pura redundância. Na obra de Stela Maris, as letras se juntam para formar palavras que criam um estranhamento gostoso, uma sonoridade musical e provocações sutis. Sinal de emoção e busca. Os livros da autora são comumente batizados como literatura infanto-juvenil, mas, para serem mais exatos, os críticos encontraram uma outra combinação, mais precisa: prosa poética. A escritora combina frases como se cantasse uma cantiga de roda, rimando ou não, mas sempre vasculhando a alma humana. Quando não são histórias de amor tendo adolescentes como protagonistas, são textos que falam da busca da identidade e do medo da solidão. Ela diz: “Nas minhas histórias, não acontecem muitas coisas. Não tem muita ação. É mais o fluxo da consciência. São histórias que buscam mais a interiorização do que a ação externa. Em todos há sensualidade, que muito tem a ver com a época da adolescência. A sensualidade, se for tratada com arte, tem que ser abordada. Num texto literário, qualquer assunto pode ser tratado”. Na obra de Stela, há sempre escolha por uma protagonista-adolescente em plena descoberta de seus sonhos de mulher-menina. Neste Depende dos Sonhos também é assim. Luzia é uma menina com idade entre 11 e 12 anos (a autora faz questão de não precisar a idade) que é apaixonada por um vizinho da mesma faixa etária, Talico. Só que ele, como todo menino, só quer saber de brincar com os outros e nem repara nela. Ou melhor, olha Luzia como olha para uma jabuticabeira. Ela sabe disso e sofre com a rejeição de Talico. Mas, enquanto vai fazendo o doce-de-ovos, repassa a vida, lembrando acontecimentos do passado, pensando sobre o presente e até projetando o futuro. No final, ela se mostra pronta para tudo. Até para mais uma rejeição ou até para esquecê-lo de vez. É a maturidade vinda com um passeio profundo pela alma. (...)

Carmem Moretzsohn é jornalista e atriz Jornal de Brasília, 12 de outubro de 1991

 

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